E Se… Napoleão tivesse vencido?

No panteão dos grandes nomes da história, poucos causam tanto desconforto quanto Napoleão Bonaparte. Dois séculos depois, seu nome ainda é sinônimo de ego inflado e planos maiores que o mapa. Mas o homem por trás da mão no peito era muito mais do que um delírio imperial: foi um redator agressivo da realidade europeia, com a caneta molhada em sangue.
Só que, pra mudar o mundo, primeiro ele precisava ganhar. Não em Waterloo, como gostam de repetir os livros didáticos. Ali, em 1815, o Napoleão que voltou do exílio já não era um imperador em ascensão, mas um general tentando fechar acordos de paz antes que a maré o engolisse de novo. Spoiler: foi engolido.
A derrota decisiva veio antes. Em 1812, quando decidiu invadir a Rússia — uma “aliada” que resolveu não brincar mais de embargo com os ingleses. Resultado? Napoleão resolveu punir os russos da mesma forma que tinha feito com os portugueses anos antes: marchando com meio milhão de soldados rumo ao colapso logístico. Os russos recuaram queimando tudo no caminho, e o inverno fez o resto. Dos mais de 600 mil soldados franceses, sobraram cerca de 10 mil. É quase uma metáfora da vida adulta.
Agora imagine que isso não aconteceu. Que Alexandre I, o czar russo, topou um novo acordo comercial. Que a Rússia permaneceu sob a esfera de influência napoleônica. Que a Europa se dividiu entre dois blocos: de um lado, o continente sob o bonapartismo; do outro, a Inglaterra e seus navios, isolados no mar e buscando alianças do lado de cá do Atlântico.
Bem-vindos ao hemisfério sul, onde o Brasil vira protagonista.
A essa altura, a América Latina estava fervendo. A monarquia espanhola tinha virado brinquedo nas mãos de Napoleão, que colocou seu irmão José no trono da Espanha. As colônias, em revolta. Os Estados Unidos, em guerra com o Reino Unido. E o Brasil? O Brasil era o plano B do Império Português, com D. João VI fugido da Europa e tomando água de coco no Rio.
Se a França tivesse consolidado o controle da Península Ibérica, Portugal seria só uma nota de rodapé. Um novo protetorado francês, talvez até com o idioma substituído aos poucos. A verdadeira capital lusa passaria a ser o Rio de Janeiro. E o nome “Brasil” poderia até sumir do mapa, substituído por “Portugal Ultramarino” — ou simplesmente “Portugal”, já que o original teria virado franquia francesa.
E com a corte ainda por aqui, sem ameaça de retorno à Europa, não haveria independência em 1822. Seríamos uma monarquia lusitana tropical, parlamentarista, talvez até com uma versão caribenha da rainha Elizabeth desfilando com vestido de chita e chapéu de palha. A Casa de Bragança se tornaria um misto de Windsor e reality show — com escândalos, casamentos reais e, claro, documentários da Netflix.
Mas o mais intrigante: com os ingleses dependendo de aliados nas Américas para manter seu comércio, o Brasil — ou esse “Portugal do Sul” — se tornaria peça-chave no tabuleiro global. Uma parceria ainda mais íntima com a Inglaterra provavelmente teria antecipado a abolição da escravidão. Talvez na primeira metade do século XIX, com uma guinada precoce rumo à industrialização.
Porque, vamos falar sério: ninguém vira país desenvolvido com base em mão de obra escravizada. É preciso consumidor, mercado interno, mobilidade. Se o Brasil tivesse deixado a escravidão no passado mais cedo, e com o apoio técnico e financeiro dos britânicos, teria entrado no século XX com infraestrutura, indústria e uma economia mais democrática. Não viraríamos uma potência da noite pro dia — mas talvez tivéssemos deixado de ser uma colônia mental.
A ironia? Napoleão, que se vendia como filho da Revolução Francesa, restaurou a escravidão em 1802. Seu império poderia ter congelado o progresso em nome de uma “ordem” que se disfarçava de modernidade. Mas num cenário alternativo em que essa ordem não precisasse da escravidão tropical para se manter, talvez o Brasil tivesse escapado da sina de ser gigante pela própria natureza — e anão pelas próprias escolhas.
No fim das contas, esse Brasil alternativo nem seria Brasil. Seria Portugal com caipirinha. E, quem sabe, com Wi-Fi público no bonde de Santa Teresa.