E Se… a Revolução Russa não tivesse acontecido?

No final de 1917, um dos eventos mais surpreendentes da história moderna tomou forma: um dos maiores países do planeta passou a ser governado por um grupo revolucionário com ideias radicais sobre como o mundo deveria funcionar.

Essa reviravolta histórica contrariava até mesmo as teorias mais aceitas da época, que previam que mudanças sociais desse tipo aconteceriam primeiro em regiões altamente industrializadas, com participação direta das classes operárias. Em vez disso, o que se viu foi um levante conduzido por uma elite intelectual, em um país ainda em transição para a modernidade.

O impacto foi global. Sem aquele levante, a polarização que marcaria o século XX talvez nunca tivesse existido. A corrida tecnológica, que deu origem à rede de computadores que hoje conecta o mundo, começou justamente como uma resposta ao medo de um conflito global definitivo. A corrida espacial, por sua vez, nasceu dos mesmos foguetes que poderiam levar ogivas nucleares ao outro lado do planeta.

Muitos episódios trágicos e marcantes do século seguinte têm sua origem nesse momento de ruptura: crises humanitárias, regimes autoritários, perseguições políticas e até as ditaduras instaladas em países distantes, que agiram motivadas pelo temor de que aquela revolução pudesse se repetir em seus próprios quintais.

A mudança, no entanto, não aconteceu de forma repentina. Começou com o colapso do antigo regime, pressionado por derrotas em campo de batalha e pela miséria crescente nas cidades. Um novo governo tentou estabilizar o país apostando em reformas moderadas, mas não conseguiu atender à principal exigência popular: o fim da guerra. Quando essa promessa foi frustrada, a insatisfação se transformou em revolta aberta.

O que parecia ser apenas mais uma tentativa frustrada de transformação social ganhou fôlego graças à incompetência e ao radicalismo de seus opositores. Quando um general marchou contra a capital tentando retomar o controle, o governo acabou fortalecendo o grupo revolucionário ao buscar sua ajuda. A partir daí, o desfecho foi inevitável: os radicais tomaram o poder.

Ainda que houvesse outros desfechos possíveis, o país parecia caminhar para um tipo de governo autoritário de qualquer maneira. Se não fosse o modelo que acabou vencendo, poderia ter sido outro, igualmente repressivo, apenas de sinal ideológico oposto.

Durante os anos seguintes, o conflito interno se agravou. Grupos armados de diferentes vertentes políticas travaram batalhas sangrentas, ambos praticando formas extremas de repressão. O que estava em jogo não era democracia versus ditadura, mas sim qual ditadura prevaleceria.

Em um mundo onde esse levante revolucionário não tivesse vencido, a balança poderia ter pendido para o outro lado: governos autoritários conservadores, guiados pelo medo do caos social, poderiam ter se consolidado com igual intensidade. Em ambos os cenários, minorias seriam perseguidas e liberdades limitadas.

Sem essa ameaça real, movimentos radicais em outros países talvez nunca tivessem conquistado apoio. Líderes autoritários que usaram o medo do comunismo como trampolim para o poder não teriam os mesmos argumentos. O discurso do inimigo interno, das conspirações, teria menos força.

Isso não significa que o mundo teria vivido em paz. Crises econômicas e desigualdades profundas continuariam existindo, e possivelmente levariam a novos conflitos. Mas talvez esses conflitos tivessem outra cara, mais parecida com as disputas do início do século, marcadas por interesses geopolíticos e rivalidades entre impérios.

Nessa realidade alternativa, o desgaste provocado por uma guerra longa e impopular poderia ter gerado mudanças radicais justamente nos países considerados mais desenvolvidos. As nações vencedoras poderiam, ironicamente, terminar abraçando as ideias que combateram – e os levantes sociais poderiam ter acontecido onde ninguém esperava.

Mauricio Martucci

Maurício Martucci é Economista, Podcaster e Arrombado nas horas vagas.