E Se… os farrapos tivessem ganhado?

Março de 1845. Após uma década de batalhas sangrentas, os invasores imperiais finalmente batem em retirada. O sul do continente assiste ao nascimento de um novo país, forjado na lança e na pólvora: a República Rio-grandense. Bento Gonçalves, herói de mil escaramuças, torna-se o primeiro presidente desse território que se estende do atual estado de Santa Catarina até o rio da Prata, abraçando o Atlântico e fazendo fronteira com a Argentina.
Com a independência, o novo governo rapidamente anexa as lideranças do antigo Uruguai, ressuscitando, sob outra bandeira, a velha Província Cisplatina. Era o desejo dos estancieiros – os barões do couro e da carne –, que ansiavam por livre trânsito na fronteira para expandir seus rebanhos e negócios. E assim o fizeram.
A língua oficial do novo país continuaria sendo o português – ao menos na teoria. Na prática, surgiria um idioma próprio, uma miscelânea de sotaques e expressões herdadas de guaranis, charruas, colonos lusitanos e espanhóis. O “gaúchico”, como poderia ser chamado, seria ininteligível para ouvidos brasileiros, criando uma identidade linguística única que reforçaria a separação cultural.
Na economia, a nova república viveria uma arrancada precoce. Os campos da campanha, dominados por estâncias e charqueadas, dariam um salto com a exportação de carne seca e couro. A lógica capitalista, rara no restante da América do Sul, floresceria ali sob o mando dos grandes proprietários. O porto de Montevidéu viraria uma joia comercial, escoando riquezas para o Atlântico e fazendo sombra à soberba Buenos Aires.
Mas o sonho dourado não traria imigração em massa. Sem o incentivo do Império, não chegariam as levas de alemães, italianos e outros povos europeus que, em outra linha do tempo, iriam transformar a Serra em polo industrial. O novo país manteria uma população majoritariamente luso-hispano-indígena. Sem a mão calejada dos imigrantes, a indústria nascente murcharia. O artesanato teria outro destino. A economia, com o tempo, estagnaria. O que começou como potência da carne, acabaria como periferia dos vizinhos.
E o Brasil? Sem o sul rebelde, a história seguiria por trilhas menos turbulentas. Ou talvez não. A ausência da rebeldia gaúcha teria deixado um buraco na política nacional. Sem o espírito contestador dos pampas, movimentos que sacudiram o Brasil no século 20 talvez nunca tivessem acontecido. Quem levaria Getúlio ao poder? Quem enfrentaria o eixo São Paulo–Minas? Quem sopraria os ventos da mudança?
E não para por aí: o espeto corrido talvez nunca saísse da fronteira. O “Sangue de Boi” seria um vinho exótico importado, de um país pequeno e rude do sul. Gisele Bündchen seria uma estrela internacional – só que estrangeira. O Brasil perderia seu sotaque gaúcho, sua cultura chimarrona, seu orgulho dos pampas.
Num universo paralelo, a bandeira da República Rio-grandense tremula solene sobre os campos. Um país independente, moldado pela lança, pela carne e pelo vento das coxilhas. Um sonho que não aconteceu – mas que poderia ter mudado tudo.