E Se… D. Pedro não tivesse declarado a Independência?

Todo mundo ouviu falar daquela cena famosa, ensinada nas aulas de história: o momento simbólico em que o então príncipe rompe com o reino europeu. O detalhe menos comentado é que ele estava em viagem e passando por um desconforto estomacal, tendo que fazer várias paradas pelo caminho.

Em uma dessas pausas, às margens de um riacho, ele recebe duas mensagens. Uma delas exige seu retorno imediato ao velho continente. A outra, enviada por pessoas de confiança, sugere o caminho contrário: romper os laços e declarar a autonomia do território. Ele decide pelo segundo caminho. Com um gesto dramático, desfaz publicamente os vínculos com o poder estrangeiro e convoca seus homens a abandonarem os símbolos da antiga metrópole. Termina o discurso com uma proclamação firme de liberdade.

Mesmo que os detalhes reais sejam menos glamourosos do que as pinturas famosas – afinal, o nobre montava uma mula, não um cavalo imponente –, é difícil ignorar a força do gesto. Mas e se ele tivesse decidido diferente?

Na verdade, a separação já estava em curso. O príncipe tinha poucas opções. Voltar atrás significaria trair aliados próximos e, provavelmente, prender aqueles que haviam articulado a emancipação. O território já havia deixado de ser apenas uma colônia e fazia parte de uma entidade política mais ampla, que reunia as terras europeias e as do outro lado do oceano.

Mas o ponto decisivo para o desfecho foi outro: uma revolta no continente europeu dois anos antes. O movimento exigia uma nova ordem política, com uma constituição que limitasse os poderes do monarca. A exigência principal? Que a corte retornasse para casa, encerrando o período em que o império vinha sendo administrado a partir do hemisfério sul.

Isso não apenas rebaixaria o território novamente a uma condição colonial, como também encerraria a liberdade econômica que havia se consolidado. Foi esse o estopim do rompimento.

Na prática, a libertação do território tropical dependia da manutenção do autoritarismo no continente europeu. E o mundo já mostrava que essa configuração não se sustentaria. Se a ruptura não tivesse acontecido ali, cedo ou tarde seria inevitável. Talvez o lado europeu acabasse, ele mesmo, protagonizando a separação. Uma inversão curiosa: tropas poderiam ter sido enviadas do sul para tentar conter movimentos independentistas no norte, com apoio de aliados estrangeiros interessados em manter a balança de poder.

Caso a união política entre os dois lados do Atlântico tivesse sobrevivido, o destino poderia ter sido diferente para ambos. O continente europeu, sem perder sua principal fonte de recursos, teria tido mais fôlego para acompanhar os avanços industriais. Já o território americano, sem a herança colonial sustentada por mão de obra escravizada, talvez tivesse embarcado mais cedo no processo de industrialização.

A pressão externa por mudanças sociais era grande, especialmente de potências interessadas em abrir novos mercados e abolir práticas que já consideravam ultrapassadas. Se o fim da escravidão tivesse acontecido décadas antes, o país teria dado passos importantes rumo a um modelo de produção mais moderno.

O comércio entre os dois lados do império poderia ter fortalecido a economia conjunta, garantindo fluxo de mercadorias e recursos por rotas oceânicas protegidas. Esse domínio naval, em tempos de expansão imperialista, teria colocado o país unido como um competidor relevante no cenário global.

Ainda assim, o modelo monárquico provavelmente teria se esgotado. A virada para um regime republicano chegaria, como chegou na história real. A questão seria se o país transatlântico conseguiria manter-se como uma única república após os ventos nacionalistas do século XX.

Se chegássemos aos dias de hoje ainda como um só país, algumas coisas poderiam ser mais divertidas – no futebol, por exemplo. Jogadores que se tornaram lendas em seleções separadas poderiam ter feito história juntos, vestindo uma camisa de cor simbólica, conectada às raízes dinásticas da antiga família imperial.

Sem a independência formal, talvez uma guerra acabasse sendo necessária para garantir a autonomia que hoje parece inevitável. Mas, nessa versão paralela, quem venceu foi o tempo, e não os canhões.

Mauricio Martucci

Maurício Martucci é Economista, Podcaster e Arrombado nas horas vagas.