E Se… São Paulo tivesse vencido a Revolução de 1932?

No dia 9 de julho de 1932, há mais de 90 anos, o Brasil entrou em guerra contra… ele mesmo. De um lado, estavam as tropas de São Paulo. Do outro, o restante do país. O conflito durou menos de três meses, mas deixou cicatrizes profundas. Oficialmente, 890 militares morreram — embora historiadores estimem que o número real tenha sido mais do que o dobro: cerca de 2.200. Para se ter ideia, é quase cinco vezes mais do que os soldados brasileiros mortos na Segunda Guerra Mundial.

Esse episódio ficou conhecido como Revolução Constitucionalista de 1932. Um nome técnico demais para uma revolta com objetivos bem claros: os paulistas queriam uma constituição. Queriam que o “Governo Provisório” de Getúlio Vargas, instaurado em 1930, virasse algo mais definido — e, principalmente, mais democrático.


A ferida da eleição de 1930

Tudo começou dois anos antes. Getúlio perdeu as eleições para presidente em 1930, e o vencedor foi o paulista Júlio Prestes. Mas Getúlio não aceitou a derrota — ou melhor, seus aliados não aceitaram. Com o apoio de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, as forças de Vargas tomaram o poder, impediram a posse de Prestes e colocaram Getúlio como presidente provisório.

Prometeram eleições livres para 1933, mas os paulistas desconfiaram da promessa. Resultado? Foram à guerra. Perderam. Mas… e se tivessem vencido?


O plano dos paulistas: salvar o Brasil, não separar

Vale deixar claro: os paulistas não queriam independência. Pelo contrário. Eles se viam como os legítimos “fundadores” do Brasil, herdeiros dos bandeirantes que exploraram o interior do país. A missão, segundo eles, era salvar o Brasil da ditadura. E para isso, a ideia era simples: marchar até o Palácio do Catete, no Rio, prender Vargas e instaurar uma nova ordem.

O plano incluía apoio de aliados estratégicos. Esperava-se que Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso (ainda sem divisão com o Sul) se unissem ao levante. Só que… não rolou. Minas pulou fora na última hora. O Sul ficou dividido. E o Mato Grosso apoiou, mas não enviou tropas.

Agora imagine que Minas tivesse entrado de cabeça. A combinação de forças paulistas e mineiras provavelmente tomaria o Rio sem grandes dificuldades. Vargas seria deposto, preso. Mas, ao contrário do que muitos pensam, o objetivo não era restaurar a República Velha. Os tempos já eram outros. Os próprios líderes paulistas de 1932 tinham, em sua maioria, apoiado Vargas dois anos antes.


Um novo Brasil nasceria ali

Com a vitória, viria uma nova constituição, eleições e um regime democrático. Mas não seria exatamente o mesmo Brasil que conhecemos. Os vencedores ditam o tom — e, nesse caso, o tom seria bastante paulista.

A começar pela bandeira nacional. Provavelmente, a bandeira adotada seria aquela que hoje conhecemos como a do estado de São Paulo. Criada em 1888, ela foi pensada como um símbolo da república nascente. As cores preto, branco e vermelho representavam as “três raças” que, na visão da época, formavam o povo brasileiro. Em 1932, essa bandeira foi usada pelas tropas paulistas — não como símbolo de separação, mas de um Brasil renovado.


E a capital? Nada de litoral

O Rio de Janeiro já havia sido conquistado por rebeldes duas vezes em poucos anos. Vulnerável, cercado de mar por todos os lados… não parecia mais um bom lugar para sediar o poder. Os vitoriosos de 1932, com seu espírito “bandeirante”, provavelmente resgatariam a ideia de uma capital no coração do Brasil. E aí, Brasília poderia surgir ali mesmo, nos anos 30 — duas décadas antes do que aconteceu de fato.


Da malandragem ao caipira: a mudança no imaginário nacional

Com o poder centralizado em São Paulo e a capital no interior, o imaginário brasileiro também mudaria. A cultura carioca, com sua malandragem, carnaval e samba como símbolos nacionais, talvez perdesse espaço. No lugar do Zé Carioca, o personagem brasileiro criado pela Disney durante a Segunda Guerra, surgiria o Jeca Paulista — o caipira esperto, trabalhador, símbolo da nova ordem bandeirante.

A música caipira ganharia o protagonismo que o samba alcançou no nosso mundo. E o sotaque do interior paulista poderia virar o novo “padrão nacional”.


Até a ortografia poderia ser outra

Entre os líderes da Revolução de 32 estava o general Bertoldo Klinger. Ele não só comandou tropas, como também tinha ideias ousadas fora do campo de batalha. Em 1940, publicou um livro propondo uma ortografia 100% fonética. Tipo: “Jeneral” em vez de “General”, “esepsão” no lugar de “exceção”, e por aí vai. Em um Brasil dominado por paulistas, quem sabe essa proposta teria mais força?


O país dos estados fortes

A maior mudança, talvez, estivesse no modelo de país. A revolta de 1932 foi, em grande parte, um protesto contra a nomeação de interventores federais para governar os estados. Os paulistas queriam autonomia. Com a vitória, o Brasil poderia ter caminhado para um modelo mais parecido com os Estados Unidos: estados com mais poder, menos interferência federal, e até leis diferentes de estado para estado — aborto, drogas, impostos, tudo decidido localmente.

Nesse contexto, as forças armadas estaduais — como a antiga Força Pública de São Paulo — continuariam existindo. Cada estado teria seus próprios tanques, aviões e soldados.


O primeiro presidente do novo Brasil

Ironia das ironias: o primeiro presidente do “Brasil bandeirante” talvez nem fosse paulista. Borges de Medeiros, gaúcho, era aliado dos paulistas, tinha sido preso por apoiar a revolta, e era um dos nomes fortes do período. Ele poderia muito bem ser o líder escolhido nessa nova democracia. Só tinha um detalhe: suas credenciais democráticas eram… questionáveis. Foi presidente do Rio Grande do Sul por 25 anos, com reeleições quase eternas.

E ele também teria que lidar com os desafios que Vargas enfrentou, como a Intentona Comunista de 1935. Mas, num país com estados armados e descentralizados, talvez a repressão fosse regional, não nacional. Ou quem sabe… uma nova guerra civil surgisse daí.


No fim das contas…

Vencer a guerra de 1932 não faria de São Paulo um país separado — faria de São Paulo o eixo de um novo Brasil. Um Brasil mais interiorano, descentralizado, com sotaque diferente, outra bandeira e, quem sabe, até com um dicionário novo.

Talvez mais justo. Talvez mais caótico. Mas, com certeza, um Brasil muito diferente do que conhecemos hoje.

Mauricio Martucci

Maurício Martucci é Economista, Podcaster e Arrombado nas horas vagas.