Jovem Nerd Está Morto

Olá, caro leitor acreano, seja bem-vindo ao fim de todas as coisas desta semana.
Nesta crônica, escolhi falar sobre os maiores creators de todos os tempos, o maior podcast do Brasil, que hoje vive apenas em nossos corações.

Jovem Nerd e Azaghal são os bandeirantes da internet, fundando seu império no longínquo ano de 2002. Em pouco tempo, transformaram seu site em uma potência, com notícias, discussões e quadros que movimentavam a blogosfera embrionária da época. Mas tudo mudou em 2006, com o surgimento do Nerdcast.

Alexandre Ottoni, até então “O Jovem Nerd”, conheceu a cena do podcast nacional, iniciada em 2004 com o Digital Mind, que, após dois anos, agonizava em seu leito de morte devido à falta de patrocínios e à ausência de perspectivas de monetização. Porém, isso não abalava o pessoal do Jovem Nerd, que já estava há quatro anos na estrada. Durante esse tempo, o Jovem Nerd nunca teve patrocínio ou apoio financeiro além dos banners, tão comuns naquela época.

O Nerdcast começou com o nome Nerd Connection, em homenagem ao Manhattan Connection, da GloboNews. No entanto, esse nome durou apenas três episódios, sendo substituído pelo icônico Nerdcast.

Lembro-me da primeira vez que ouvi o Nerdcast, em 2009, um outro Brasil, diga-se de passagem. Era um trecho de um programa de 2007, se não me engano, com cerca de cinco minutos, no qual eles afirmavam que o Acre não existia e que toda a cidade de Rio Branco ficava em Jacarepaguá. Eu era fascinado por essa teoria da conspiração e lembro o quanto fiquei encantado ao ouvi-los falar sobre o tema. Não me tornei um ouvinte fiel nesse momento, mas guardo com muito carinho essa lembrança. Tanto que, leitor acreano, seu título vem da referência ao fato de que “o Acre não existe”, assim como os leitores desta crônica. É curioso como um momento tão breve pode nos marcar de maneiras tão inesperadas.

Após esse momento, meu próximo contato com eles foi em setembro do ano da graça de 2013, quando, por acaso, assisti ao NerdOffice. Logo em seguida, vi o NerdPlayer e, então, mergulhei nas “drogas mais pesadas”: o Nerdcast.

Particularmente, eu estava passando por um momento muito difícil naquela época. Recém-desempregado, tinha acabado de terminar um namoro, não tinha a menor condição de começar uma faculdade e sem nenhuma perspectiva de crescimento. Eles se tornaram minha melhor companhia, meus melhores amigos e, de uma forma muito estranha, os únicos que conseguiam expressar tudo o que eu sentia.

Em seis meses, maratonei inúmeras vezes todos os programas, li todos os livros e assisti a todos os NerdOffices, NerdPlayers, Matando Robôs Gigantes e afins. Tornei-me obcecado por entender cada treta que nunca acompanhei nos primeiros dez anos em que não os conhecia. Foi nesse momento que decidi que ser podcaster seria o meu sonho dali em diante.

Os desdobramentos desse sonho eu conto na minha primeira crônica, “E Assim Começa a Grande Era da Escrotidão”, mas o que não conto ali é como o Jovem Nerd mudou minha vida muito além do mundo online.

Em 2014, consegui um emprego e agarrei essa oportunidade com todas as forças, dividindo meu tempo entre a irmandade do saquê e minha rotina CLT. Não era um emprego dos sonhos, mas pagava as contas, e eu me agarrava à perspectiva de crescimento. Os únicos momentos de diversão eram junto com a minha turminha, o “time de elite do Nerdcast”. Até que, um dia, fui promovido. Olhando em retrospecto, percebo que jamais teria conseguido sem as histórias deles – do Tucano sendo motoqueiro porra, do Seu Francisco, ou do Ano Novo com “A Gorda”. Esses momentos me deram forças para almejar algo melhor.

Os anos se passaram: o assistente virou analista júnior, o júnior virou pleno e, quando menos esperava, a senioridade chegou.

Já era o ano da graça de 2018. Eu estava estagnado no trabalho, sem perspectiva de crescimento, recém-separado, e o mundo parecia ter mudado. Mas minha sorte com as mulheres continuava a mesma. No entanto, algo permanecia inalterado: eu ainda tinha Alexandre Ottoni, o Jovem Nerd, e Azaghal, o Senhor da Oceania.

No início daquele ano, eles começaram a anunciar a Alura, um dos primeiros patrocinadores até então. Vi ali uma oportunidade de me certificar, já que tinha conhecimentos avançados de programação, mas nenhum curso que comprovasse isso. Aquilo mudou minha vida. No ano seguinte, troquei de emprego, tornei-me consultor financeiro e conquistei meu tão sonhado home office – antes da pandemia, diga-se de passagem. Assim, voltei a sonhar.

Mas nada dura para sempre. Assim como nunca lembramos qual foi a última vez que brincamos como crianças antes de nos tornarmos adolescentes rabugentos, eu não sei exatamente quando perdi meus amigos. Minha vida seguia de vento em popa: havia me casado, comprado um apartamento e crescido na carreira. Contudo, houve uma sexta-feira – uma maldita sexta-feira – em que não sentei à mesa para vê-los. Depois veio outra, e mais outra, até que, um dia, parei de sentir falta. E tudo se perdeu, como lágrimas na chuva.

Olhando em retrospecto, percebo que não fui apenas eu que mudei e parei de me importar com eles. Eles também mudaram e, em certo momento, deixaram de se importar conosco, os fãs. Alexandre Ottoni deixou de ser “o Jovem Nerd” e passou a ser apenas “do Jovem Nerd”, comunicando um distanciamento crescente da comunidade. Hoje entendo o porquê.

Em 2013, eles já falavam abertamente que queriam transformar o programa em um “macacão de Fórmula 1”. Mesmo assim, naquela época, o core do negócio era a comunidade. Eles monetizavam, além das propagandas, através dos produtos vendidos na Nerdstore e Nerdbooks. Eu via esse modelo como ideal: uma comunidade fomentada por um lore crescente, alimentado por produtos acessíveis para diferentes faixas de preço, incluindo todas as classes de consumidores e incentivando o consumo de produtos de maior margem conforme alguns avançavam na pirâmide.

Mas, em algum momento, isso mudou. Alguns dizem que foi com a saída de Guga, Affonso “dois efes” Solano ou Bluehand – este último, inclusive, inspirou o título de dois livros. Contudo, tenho uma outra opinião sobre essa virada: ela tem nome e sobrenome – Flavio Augusto da Silva.

A primeira aparição dele foi em 2014, em um programa que logo se tornou um especial mensal do meusucesso.com. Ele tinha ideias arrojadas sobre criação de empresas com escalabilidade de receita e venda no médio/longo prazo – algo muito diferente do modelo praticado até então. No primeiro contato público, ele já residia nos Estados Unidos, um sonho distante para nossos Nerdcasters. Após algum tempo, tornou-se conselheiro público deles, um cargo antes ocupado por Marco Gomes, que também sumiu do site sem explicações.

E você deve estar se perguntando, caro leitor acreano, em que baseio essa opinião. Eu lhe respondo: em absolutamente nada. Sempre tive uma amizade platônica com eles e, como qualquer fã, só posso presumir. Mas, em meu íntimo, acredito que esse foi o estopim do fim.

Eles venderam a Nerdstore em fevereiro de 2019, como parte do projeto de mudança para os Estados Unidos, finalizando com a venda do site em 2021. Priorizaram suas famílias e suas vontades em detrimento de tudo o que construíram. E, sinceramente, eu faria o mesmo. Nenhuma comunidade ou fama vale mais que a felicidade de esposa e filhos. Fiquei feliz por eles terem conseguido o tão sonhado final feliz. Mas, como fã, senti que algo se perdeu. Em algum momento dessa transição, meus melhores amigos morreram. Talvez porque eu tenha crescido e não precisasse mais deles, ou porque eles já não precisassem de mim. Como alguém que foi abandonado pelos pais na infância, você pode imaginar o que acredito.

Sei que eles ainda produzem conteúdo, batendo recordes com o crowdfunding de Call of Cthulhu, Ozob e Crônicas de Ghanor. Sei que o Nerdcast continua saindo toda semana. Talvez eu seja apenas um fã chato que, por não consumir mais, tornou-se descartável. Mas, como alguém que foi profundamente impactado por eles – e cujo título “Era da Escrotidão” é uma homenagem ao lore do Jovem Nerd e a tudo que representaram para mim –, realizo, em minhas memórias, o velório e luto de dois vivos. Dois amigos platônicos que seguem vivos, mas apenas em nossos corações.

Bem, é isso. Espero que tenham gostado do fim de todas as coisas desta semana. Até a próxima.

Mauricio Martucci

Maurício Martucci é Economista, Podcaster e Arrombado nas horas vagas.